Monday, April 9, 2007

Conhecer pela imagem
Jean-Pierre Meunier


Jean-Pierre Meunier questiona as relações entre a imagem e o conhecimento. A resposta a esta questão depende do quadro de referência considerado na abordagem, no entanto, a reflexão assenta frequentemente sobre a oposição imagem/verbal, sendo aquela mais associada à afectividade, participação, proximidade, imediato, enquanto que o verbal aparece como mais reflexivo e distante.

A nível das pedagogias, considerada a polissemia da imagem, esta apelará a pedagogias não directivas, centradas na interpretação do destinatário.

Subsiste porém o problema do conhecimento antes e depois da exposição às imagens, levantando-se a questão da natureza das representações mentais que acolhem imagens exteriores e como estas se integram nas representações mentais.

Na visão estruturalista as línguas eram aceites como entidades autónomas susceptíveis de descrição independente. Com o desenvolvimento da pragmática reconhecem-se nos estudos da comunicação as conexões entre os diversos domínios – linguística, psicologia cognitiva, psicossociologia – assim como a inevitabilidade do recurso à enunciação e à relação em contexto e, naturalmente da semiótica cognitiva. Isto acontece porque quando se pretende compreender os processos de significação e as relações de comunicação não se pode ignorar o papel da representação mental, que se apresenta, assim, como uma nova variável a considerar no conjunto das actividades cognitivas.

Até numa definição básica de conhecimento encontramos a noção de representação. Conhecer é ter uma representação daquilo que se conhece.

É, pois, necessário clarificar a noção de representação. Os psicólogos da cognição reconhecem duas categorias de representação, proposicional e imagens, sendo manifesta a sua habitual preferência pelas proposições onde se inscreverá a maior parte das representações humanas. Esta ideia supõe que as representações humanas se organizam de forma semelhante à linguagem (língua) e que a estrutura da língua depende das representações cognitivas que lhe preexistem.

Já as representações figuradas caracterizam-se pela sua relação de analogia com a percepção.

Há também um número de trabalhos que atribuem às representações figuradas a superioridade na ordem das representações mentais. O próprio Piaget referindo-se a este assunto, enquanto fazia emergir o conceito verbal da imagem mental, reconhecia a esta uma função de ilustração do significado conceptual, uma categoria abstracta. Nesta perspectiva a palavra é o significante e a imagem é o signo que desempenha uma função coadjuvante.

Verifica-se, pois, na literatura que a separação entre imagem e conceito é frágil, fragilidade esta que as investigações actuais têm vindo a documentar: existe uma componente figurada no conceito lexical, ou usando a terminologia de Saussure, no significado do signo verbal. As palavras têm um valor figurativo, isto é, têm a capacidade de desencadear a formação duma imagem mental. Porém este processo coexiste com outros que não devem nada à imagem.
Entre as teorias que defendem o papel fundamental da imagem, a teoria dos modelos de Johnson-Laird defende que os humanos constroem modelos do mundo percebido e reproduzem esses modelos no discurso, que, por sua vez, ao ser descodificado por outro indivíduo dá lugar à construção dum modelo semelhante ao mundo conhecido e transmitido pelo original. Desta forma parece que a comunicação verbo-digital apenas tem como finalidade a construção da representação analógica o que põe em causa a noção de autonomia da linguagem defendida pelos estruturalistas. Assim a linguagem dependeria do sentido, isto é da imagem.

Por seu lado a teoria do acto elocutório defende que a enunciação verbal é a comunicação dum modelo mental de carácter icónico, sendo a linguagem um conjunto de instrumentos ao serviço da composição analógica. Nesta perspectiva, conhecer é ter uma representação icónica, isto é, uma imagem mais ou menos sensorial, mais ou menos abstracta de algo. Esta modelização levanta várias questões como por exemplo: níveis de abstracção dos modelos, que operações cognitivas autorizam as diferentes formas e graus de iconocidade, como se organizam os modelos entre si, questões estas que interessam tanto psicólogos como linguistas, como semiólogos.

Índice, ícone, símbolo
Ao contrário dos linguistas que apenas abordam a língua, os semiólogos dedicam-se ao estudo de todas as espécies de signos com toda a sua diversidade e especificidade. Aliás, à medida que esta especificidade foi sendo percebida, foi havendo um afastamento progressivo da categorização típica da linguística. Um exemplo da especificidade da semiótica é a questão dos níveis de significação.

Esta problemática tem levado ao recurso cada vez mais frequente à categorização triádica peirciana, ícone-índice-símbolo. A hierarquia de Peirce tem além do mais a vantagem de se harmonizar com a hierarquia de representações em psicologia, utilizadas, nomeadamente por Piaget para descrever o desenvolvimento por etapas da função simbólica.

No plano da relação a correspondência entre as categorias peircianas e os pares princípio de prazer/princípio de realidade e imaginário simbólico põe em evidência uma progressão ontogénica entre o indicial e o icónico e o simbólico, aqueles ligados ao contacto e à relação comunitária e este ligado à linguagem.
Nos quase inseparáveis planos da significação e da cognição a hierarquia índice- ícone - símbolo permite pensar na progressão entre processos primários (pré-lógicos) e secundários (lógico-linguagem). O quadro conceptual de Peirce demonstra que a comunicação varia de acordo com os tipos de signos que usa a nível da relação, significação ou cognição.

Sendo a imagem o domínio da representação icónica que implica, pois as imagens mentais e materiais invadir o domínio da comunicação linguística torna-se difícil manter as características específicas dum campo e doutro sem transformar o linguístico em instrumento do icónico (tal como os estruturalistas já haviam feito no sentido inverso). Importante é, sobretudo, compreender os efeitos de mediação disponibilizados pelo linguístico, sendo através das palavras que as imagens se constituem em classes e também através das palavras se tornam possíveis operações mentais como a dedução. Se considerarmos que através da palavras as imagens se estruturam em classes , uma tal estruturação em que ícone e linguagem se interligam é uma estruturação complexa com vários níveis de abstracção e serve de suporte a operações cognitivas diversas incluindo as operações lógicas, espaço preferencial da linguagem)

Se se reconhecer a complexidade da imagem mental, uma nova questão se levanta: a da relação entre a imagem mental e as imagens materiais, na medida em que, inseridas num quadro de pensamento icónico complexo, perdem de certo modo a sua autonomia e é necessário estudar como se inserem nesse quadro.

Entramos assim na área da semiótica cognitiva ao questionar as diferentes dimensões da imagem e como esta interage com os diversos sitemas semióticos construídos pela cultura e pela técnica.

As imagens originais (ou o mimetismo na origem das imagens)

Para Piaget a imagem assenta na imitação. Os jogos de imitação constituem uma forma primitiva de conhecimento, na medida em que supõem uma acomodação ao objecto. A imitação é reduzida a esboços motores que servirão de base à construção duma imagem mental:
  • O conhecimento tem raízes na imitação (mimesis) como capacidade primitiva de reprodução corporal do mundo percebido, capacidade essa que dá origem à representação.
  • A mimesis é um fenómeno complexo que comporta uma espécie de substituição/reprodução das diferentes partes do corpo.
  • O mimetismo está presente tanto na recepção como na reprodução das imagens. Assim perceber uma imagem implica necessariamente uma retoma postural e motora das formas percebidas. Tanto os modelos mentais como as representações mentais ou materiais supõem processos de projecção-identificação múltiplos.


Ao contrário das imagens (modelos visuo-espaciais) os modelos mentais podem representar também entidades e relações de natureza não espacial que são, na verdade projecções-identificações que ligam o receptor às imagens através de várias modalidades perceptivas. Por exemplo, num modelo abstracto, atribuímos um determinado carácter estático ou dinâmico às entidades (fundo, manchas visuais, etc) segundo as intenções que o observador projecta sobre elas.


As imagens de base

Lakoff propôs uma teoria do conhecimento com base na experiência do mundo construída a partir do corpo e da cultura e que diz que as nossas experiências corporais pré-conceptuais são a base de todas as nossas estruturas, incluindo as mais abstractas, distinguindo duas categorias de estruturas:
  • Categorias de nível básico
  • Imagens esquemáticas quinestésicas

Há assim categorias de base, como por exemplo conceitos como martelo, carro, etc, que pertencem a categorias sobreordinadas (ferramenta, viatura) e contêm subordinadas (martelo de carpinteiro, corsa). As categorias primordiais ou básicas são as primeiras percebidas pela criança, correspondem a formas (Gestalt) perceptivas, prestam-se a finalidades específicas e dão lugar a ricas imagens mentais. As imagens de base são aquelas mais próximas do corpo, da capacidade de se identificar

As imagens esquemáticas são estruturas simples prévias a qualquer outro conceito e dão sentido à experiência quotidiana: atrás/à frente, alto/baixo, etc.

O facto de se distinguirem níveis de base donde partem todos os outros dá suporte à construção do conhecimento como elaboração de imagens com níveis de complexidade variável.

A metáfora, intimamente ligada à imagem e à imaginação, é um aspecto essencial da conceptualização da experiência. Capacidade de conceptualização significa:
  • Capacidade de formar estruturas simbólicas (conceitos de nível básico e imagens esquemáticas) que se relacionam com a nossa estrutura pré-conceptual.
  • Capacidade de projectar estruturas do domínio físico no domínio abstracto

O perspectivismo das imagens

O perspectivismo é a característica que faz com que das imagens tenhamos apenas uma visão perfil-todo ou parte-todo, estrutura que se repercute em todas as imagens construídas a partir do real. Este facto é também paradoxal porquanto significa que em certa medida a parte contém o todo, isto é, face a uma imagem vemos muito mais do que aquilo que se vê (ideia de signo), mas por outro lado uma percepção ou imagem apenas permite uma visão truncada (logo o conhecimento é sempre parcial, porque conceptualiza uma coisa através das partes) e a partir do nosso ponto de vista.

A imensa diversidade de pontos de vista é compreensível se pensarmos nas enormes possibilidades da língua na construção das imagens. As expressões linguísticas têm como função fazer o ajuste focal das coisas conceptualizadas. Em termos de ajuste focal, segundo Langacker, as palavras dividem-se em duas categorias de predicados nominais, designando as coisas, e relacionais respeitantes às interacções. A categoria relacional pode ser relativa ao processo ou a uma relação intemporal. A existência das diversas categorias linguísticas serve para dar conta dos destaques efectuados pela conceptualização de algo. Assim, encontramos em todos os níveis de conhecimento visto como representação icónica juízos quer sobre os modelos mentais abstractos quer sobre as imagens mentais simples, como se o conhecimento se confundisse com um juízo sobre algo. Construir o conhecimento sobre algo significa salientar um aspecto até aí desapercebido ou considerado marginal, e rever as interconexões a partir desse ponto de vista novo.

Visto deste modo é a multiplicidade de pontos de vista que está na fonte do progresso do conhecimento e o ser humano deve ser capaz de múltiplas perspectivas do mesmo objecto. Porém a integração de diversos pontos de vista por muitos que sejam tem sempre um nível de subjectividade, pelo que a imagem, por muito complexa que seja, é sempre elaborada a partir dum ponto de vista particular, logo não é possível conceber uma imagem totalmente despida de subjectivismo.

Enquanto que a noção de ponto de vista é muitas vezes encarada como noção de opinião, a representação icónica supõe sempre um ajuste focal a partir dum ponto de vista entendido como posição espacial, logo implicando um olhar e uma atitude particulares. Sendo assim, as operações cognitivas correspondentes não podem compreender-se sem actividade corporal (contracções musculares, impulsos, e em particular o olhar). Assim, por exemplo, ao predicado relacional “andar” corresponde uma imagem mental motora de marcha. A construção dum modelo mental testemunha uma multiplicidade de destaques de relações dinâmicas ou estáticas mais ou menos salientes, processo esse que envolve necessariamente o corpo e a sua actividade de simbolização.
Portanto qualquer que seja o nível de abstracção do conhecimento ele procede dum enquadramento e ajustamento focal.

Assimilação, comparação, metaforização

Para Piaget a assimilação, isto é, a adaptação intelectual é a base da actividade cognitiva, e consiste em integrar o novo no já conhecido, isto é numa estrutura anterior quer relativa às experiências, quer a estruturas impostas pelas nossas rotinas interpretativas.

Portanto, os conceitos de comparação e assimilação implicam a compreensão duma coisa através de outra. Deste modo para salientar certos aspectos duma entidade são necessárias diversas comparações no interior dessa entidade e entre essa entidade e outras. A metaforização é, assim, um processo de conceptualização característico da vida mental que dá lugar aos níveis mais abstractos do conhecimento de Lakoff (lembremos que as categorias de base e as imagens esquemáticas eram as mais elementares)
A metáfora permite experienciar uma coisa em termos doutra e reflecte-se em numerosas expressões linguísticas como, por exemplo, “estou no céu”. Subjacente a esta expressão está a metáfora de orientação assente numa estrutura esquemática alto-baixo. As metáforas ontológicas permitem conceber acontecimentos, emoções ou ideias como substâncias. Exemplo: “afundado num mar de problemas”. As metáforas estruturais utilizam um conceito altamente estruturado para estruturar outro a partir daí. Exemplo: a assimilação do conceito de discussão ao conceito de guerra e utilização da linguagem comum aos dois conceitos.”as suas ideias são defensáveis. Usou de todas as armas para me atacar mas eu defendi-me com bons argumentos” Cada um dos conceitos é complexo e supõe uma estrutura interna com diversos componentes (desafio, intimidação, etc), representação esta que se projecta na conversação.
É importante observar que a metáfora acentua uns aspectos da forma (gestalt) enquanto atenua ou mascara outros. No caso da discussão acentuam-se os aspectos guerreiros enquanto se mascaram os aspectos cooperativos.
Induzindo uma modificação do ponto de vista, a metáfora cria ressonâncias que remodelam a estrutura da imagem alvo o que, por sua vez também vai ter efeito na imagem fonte remetendo alguns dos seus aspectos para planos secundários. Esta remodelização faz-se através da capacidade mimética da imagem.
A metáfora cria ou revela semelhanças? Embora não possa haver metáfora sem algum grau de semelhança, a metáfora também é criadora, na medida em que traz alguns aspectos para o primeiro plano, induzindo uma recomposição de traços.

Todavia, a comparação não se limita à projecção metafórica, estando também ligada à identificação ou contrário, diferenciação e esquematização.

Esquema e esquematização

A noção de esquema já é referida por Kant como a passagem do sensível ao conceito, enquanto que para Piaget esquema, e em particular esquema sensorio-motor é uma espécie de plano de relação com o objecto que conduz primeiramente ao pré-conceito e depois ao conceito. Sendo assim, para estes autores, o esquema é como que um intermediário entre o concreto e o abstracto, o particular e o geral, conceito que reapareceu recentemente na psicologia cognitiva para designar estruturas de representação mais complexas que as correspondentes à palavra e à frase, constituindo mesmo para Rumelhart e Norman como uma superstrutura onde cabem todos os nossos conhecimentos, estruturas de dados destinadas a representar os conceitos gerais armazenados na memória, modelos do mundo exterior.

Quando pensamos em cão o conceito contém um vastíssimo conjunto de dados e relações. Alguns destes dados, factos ou relações são constantes, enquanto que outros são variáveis e a relação entre o constante e o variável indica uma característica fundamental dos modelos mentais: variar em especificidade. Por exemplo o conceito dar poderá de constante a mudança de possuidor e de variável o que dá e o que recebe. Para Langacker a esquematicidade está assim associada ao progressivo desaparecimento dos pormenores.

A esquematicidade é a manifestação duma aptidão fundamental para a selecção e abstracção, necessariamente ligadas à assimilação e à comparação., noções estas interdependentes. Assim, as comparações entre imagens conceitos implicam a formação de conceitos mais esquemáticos e ainda redes esquemáticas de conceitos interligados e dizem respeito à organização do conhecimento em geral.
A aprendizagem corresponde à complexificação de esquemas, partindo dum esquema de baixo nível e progredindo pela categorização, fundada na percepção de semelhanças, conceito, complexificação horizontal da categoria lexical e expansão vertical em redes de esquemas sucessivos. Langacker exemplifica com a categoria lexical árvore. (Um pinheiro é uma árvore porque se parece com aquilo que eu identifico como árvore e do mesmo modo a palmeira, que não faz parte do meu meio, também tem semelhanças, etc.) As redes lexicais podem tornar-se muito complexas criar redes, nós e relações mais salientes de acordo com dinâmicas, mudanças e pressões da experiência e da comunicação.

A esquematização é um produto da comparação tal como a extensão (assimilação a uma mesma categoria) e a metaforização (sobreposição parcial de categorias que permanecem diferenciadas). A esquematização implica uma actividade inferencial, isto é, busca das implicações decorrentes da interferência entre duas formas (Gestalt)

Se pedir a uma criança que desenhe uma flor ela fá-lo-á transferindo para o domínio gráfico os atributos da categoria cognitiva (caule, pétalas, etc.), mas se o objecto ocupar uma categoria marginal na categoria cognitiva ou não ocupar mesmo qualquer lugar (o que aconteceria se pedisse a uma criança que desenhasse um animal que ela nunca havia visto), as características da transposição não terão nada que ver com a construção mental típica, isto é não houve a construção dum esquema a partir duma categoria subordinada, mas sim provavelmente duma categoria superordinada (dum nível mais geral). Se a criança tiver que desenhar um galo e não conhecer um galo tenderá a desenhá-lo de acordo com a categoria animal (e poderá pôr-lhe as quatro patas que associa a essa categoria), isto é construíam um esquema a partir dessa categoria mais geral.

Aspectos do conhecimento ordinário

Do que atrás foi dito concluiremos que o conhecimento é uma vasta rede de imagens ou modelos ligados entre si por laços associativos fundados na semelhança e na contiguidade, sendo esta rede estruturada hierarquicamente a partir do nível de base enraizado na experiência corporal do mundo.

Para regular as nossas relações com o mundo dispomos de modelos mais ou menos esquemáticos que podem associar-se e especificar-se de acordo com as situações e problemas a resolver. Os esquemas e sub-esquemas que comportam os saberes da vida quotidiana são os mais estruturados, havendo porém zonas de conhecimento para as quais apenas dispomos de modelos pouco esquemáticos e pouco conectados entre si. Construímos esquemas progressivamente mais abrangentes e mais gerais, dependendo a riqueza dum esquema da diversidade de sub-esquemas que o potencialmente o integram.

Mas voltemos às zonas de saber que não se estruturaram através de aprendizagens sistemáticas ou muito afastadas da vida quotidiana, zonas consideravelmente desenvolvidas nos nossos dias graças à proliferação dos média. O alcance inferencial dos esquemas em domínios como a astrofísica, a biologia celular, etc, para a maior parte das pessoas, não assenta em esquemas básicos ou em saberes sistematizados, logo são esquemas pobres de sub-esquemas ou apenas contém aspectos muito parciais dos fenómenos. Há, efectivamente, uma projecção metafórica muito elementar próxima da experiência quotidiana em esquemas que salientam alguns aspectos periféricos, mascarando ou ignorando mesmo aspectos mais relevantes dos esquemas conceptuais desses domínios de saber mais afastados do conhecimento comum, num processo de “coisificação” das entidades que constituem esse esquema mais marginal.

Conclusão: Para uma semiótica cognitiva

A ideia esquemática duma iconicidade de pensamento resume-se brevemente em alguns pontos que se implicam mutuamente:
  • O conhecimento começa com a representação mimética do real percebido, desenvolvendo-se através duma hierarquia de representações icónicas que vão desde as imagens ao alcance do corpo até aos modelos mentais cada vez mais abstractos, mas mesmo assim icónicos
  • Toda a imagem ou modelo torna salientes uns aspectos da representação icónica enquanto oculta ou ignora outros.
  • Na medida em que o conhecimento assenta sobre uma actividade de assimilação ou de comparação, ela procede necessariamente por metaforização e esquematização, sendo o conhecimento uma vasta rede de modelos esquemáticos mais ou menos encaixados e interligados uns com os outros

Que articulação há, pois, entre os signos externos e as imagens e modelos mentais, isto é as representações ou signos internos?

Os signos externos não são apenas meios de comunicação dos signos internos, mas também tecnologias da inteligência que alteram as operações do pensamento, havendo, assim, uma interdependência entre o domínio sócio-semiótico e o psicológico.

O papel fulcral do corpo na formação do pensamento suporta a ideia da iconicidade do pensamento. Além disso, o imaginário mental não precisará da capacidade lógica da linguagem verbal para exprimir certos conceitos, assim como a lógica não formalizará necessariamente as operações representativas. Se a linguagem serve a imagem mental, já que a traduz, também, por outro lado, transforma essa imagem mental.

Caberá, assim, à semiótica cognitiva estudar as transformações introduzidas pela palavra na imagem e vice-versa e as possibilidades cognitivas daí decorrentes.

Há apenas um modo de representar o mundo, o icónico, cuja acopulação com o sistema exterior de significantes desmultiplica as potencialidades de diferenciação, abstracção, etc.

É necessário definir claramente como os signos externos retroagem sobre a imagem mental e a sua diferenciação e organização, assim como o modo como as imagens materiais externas interagem com as internas.

Há, a este propósito, respostas antagónicas afirmando que as imagens externas provêm das imagens mentais ou, contrariamente que as imagens mentais resultam duma mentalização do percebido, considerando mentalização como o produto dum ajustamento focal.

E que dizer das imagens animadas que atestam a nossa capacidade de efectuar transformações mentais sobre o percebido?

As imagens esquemáticas como os diagramas são projecções no espaço exterior dos nossos modelos mentais provenientes da nossa aptidão não só para extrair esquemas das coisas e relações percebidas, mas também para criar esquemas com diversos níveis de abstracção.

A problemática da projecção do espaço interior no espaço exterior coloca grandes questões à semiótica cognitiva, nomeadamente a da elucidação sobre as aptidões cognitivas subjacentes à elaboração das imagens materiais e a da determinação da imagem mental pelas imagens materiais e o que influencia estas, a cultura e a técnica.

As imagens mentais e o discurso são traços reveladores da actividade cognitiva em cuja origem existem diferentes produções icónicas e aptid~es gerais, como a comparação, projecção metafórica, extracção de esquemas, diferentes modalidades de ajuste focal.

As imagens mentais com origem na interiorização do mundo exterior e as operações mentais sobre essas imagens conseguem especificar-se em imagens exteriores que são, por sua vez interiorizadas determinando em certa medida a imagem mental (ideia de circularidade). As imagens mentais de objectos externos característicos da nossa cultura e tradição enquadram a formação dos nossos modelos mentais. A cultura e a técnica produzem esquemas gerais transsubjectivos que são interiorizados pelos indivíduos, alterando a sua imagem individual específica. Assim interrogamo-nos sobre a medida em que a forma reticular da organização da informação com as novas tecnologias poderá reconfigurar a nossa imagem mental a nível de categorias e modelos e operações sobre os modelos.

O outro aspecto da imagem material é a questão das operações cognitivas solicitada pela percepção das imagens materiais e que, sendo mais próxima dos signos e da sua organização, é mais semiótica.

Há ainda outras questões específicas relativas aos discursos concretos que percorrem o tecido social com toda a espécie de representações individuais e colectivas. Estes discursos sociais são dispositivos igualmente cognitivos e de enunciação em cuja origem se encontram representações do mundo, corporizando as marcas de cultura colectiva transportadas por cada indivíduo.

No plano da recepção, por seu lado estes discursos são também objecto de elaboração pelo destinatário com a construção dum modelo mental mais ou menos correspondente ao do emissor e que reflecte a apreensão das intenções do destinatário.